28 de julho de 2004

Nightmare at Paris

O que vou contar agora foi sem dúvida nenhuma a experiência mais estressante e desesperadora de minha vida. Eu já vi meu pai na mira de uma arma comigo dentro do carro, já estive em vários acidentes de carro, já tentaram me assaltar e outras coisas do gênero mas a sensação que tive durante essa experiência em Paris foi sem dúvida a pior da minha vida.

A viagem foi perfeita, linda, a cidade é maravilhosa mas antes eu vou falar da história da imigração. Vamos a ela.

Fomos do Louvre direto pra estação de trem Paris Nord pra pegar o Eurostar e chegar em Londres 2h depois. Fizemos check in, passamos pelos franceses, apresentamos os passaportes e fomos a imigração inglesa.

A moça pediu pra eu e Léa ficarmos juntos já que estavamos viajando junto. Na primeira frase dela eu senti que ela não estava muito bem. Senti que ela estava impaciente e era muito mal educada. Na primeira palavra que ela disse.

Ela perguntou pra mim o que eu estava fazendo na Inglaterra. Perguntou o que eu disse da primeira vez que cheguei em Heatrow e queria que eu dissesse exatamente a mesma coisa. Mas vocês sabem como é minha memória. Eu tentei lembrar o que disse mas ela ficou nervosa e chamou a gente pra sentar num banco prateado pra desocupar o guichê.

Quando a gente sentou ela virou pra mim do jeito mais grosso e petulante possível e disse quase gritando: Você vai ter que dizer EXATAMENTE o que você disse a primeira vez que chegou aqui.

Eu fiquei nervoso. Não consegui mais pensar direito. O inglês já não saia direito, nem o português sairia direito, e nessa hora a aparência é tudo porque você não deve ficar nervoso porque quem não deve não teme mas não tinha como não ficar nervoso quando eu senti o clima com aquela mulher.

A infeliz era bem bonita até. Mas tinha no coração alguma coisa muito negativa! Eu sentia que ela estava feliz em ver eu e a Léa naquela situação.

O GRANDE problema foi que eu fui ingênuo demais e pensei que não era necessário levar qualquer tipo de documento ou carta explicando o que eu estava fazendo aqui na Inglaterra. Como eu não estou fazendo o PhD ainda eu não posso pleitear um visto de estudante. Mas eu tinha a estúpida idéia de que com o carimbo de 6 meses, que me deram na minha chegada em março, eu poderia entrar e sair do Reino Unido o quanto quisesse, o que não é verdade. Uma vez fora aquele carimbo perde qualquer validade.

O Arjan me instruiu apenas de levar a mesma carta que trouxe na primeira vez que cheguei. O problema é que a carta falava apenas de 3 meses de experiência aqui. Nem me dar ao trabalho de ler a carta eu me dei! Quando ela falou o que eu estava fazendo depois daquele período eu disse que estava fazendo a mesma coisa. Mas ela me disse que não era isso que dizia a carta.

Eu tentei dizer que a gente não sabia que era necessário trazer toda a documentação e ela sempre respondia da forma mais ignorante possível que se eu não achava que era necessário qualquer documento porque eu tinha trazido aquela carta?

O fato da Léa estar comigo só piorou as coisas. A Léa veio pensando em ficar por aqui por 3 semanas apenas. Mas depois decidiu ficar mais pra poder viajar e praticar o inglês que é o que ela mais quer tirar daqui da Inglaterra.

O que a mulher da imigração viu foram dois brasileiros, juntos, há mais tempo do que devia na Inglaterra. Ela achou que eram dois sulamericanos tentando ganhar a vida aqui na Inglaterra.

A gente ficou uns 45 minutos mais ou menos com ela. Ela sempre entrava numa sala pra conversar com algum superior ou pra pesquisar algo, não sei. Sempre que ela voltava ela parecia mais brava e miserável. Em pensar que o nosso destino dependia exclusivamente daquela mulher e eu ainda tinha que ter sangue de barata de tentar tratar ela bem.

Ela sempre fazia perguntas com um tom cínico e eu tentava manter a calma e tentar raciocinar e não passar pra ela que estava muuuito nervoso. A Léa tentou ajudar falando algumas coisas mas só atrapalhou.

Eu comecei a pensar o pior. Comecei a pensar no que aconteceria se a gente não voltasse para a Inglaterra. Comecei a pensar que todas as minhas coisas estavam na Inglaterra. Que toda a minha vida, nesse momento, estava na Inglaterra e eu dependia exclusivamente daquela mulher grossa e ignorante pra poder voltar pra casa.

Entre explicações mal dadas e muita muita má vontade da filha de Deus da imigração uma hora ela chega e larga da forma mais cínica que você possa imiginar: "Bem, como eu já imaginava, vocês não vão para o Reino Unido hoje".

E continuou depois de ver a nossa surpresa: "Mas não era isso que vocês queriam? Não queriam conhecer a França? Então? Vão ficar por aqui mais alguns dias. Vocês não têm dinheiro suficiente pra viver na Inglaterra? Então... Vão pagar algum hotel em Paris".

Naquela hora o mundo caiu. Eu ainda tinha a esperança que aquele terrorismo todo não era sério. Ainda tinha esperança de pegar o trem e voltar pra casa mas naquele momento tive certeza que isso não ia acontecer.

Eu insistia com ela perguntando se não tinha nada que a gente pudesse fazer naquele momento pra que uma solução fosse encontrada e ela continuava a repetir que não. Eu tentava de alguma forma convencer ela a tentar ligar pra alguem que confirmasse a nossa história mas ela dizia que não e a cada vez que eu insistia ela fazia uma cara de chateação e impaciência até que uma hora ela falou: "Você já me perguntou isso um milhão de vezes e eu disse que não! Você sabe o que significa não?! NÃO SIGNIFICA NÃO!!!"

A Léa ainda tentou mais uma vez: "Mas se você não ligar você não vai estar ajudando a gente!" E a mal amada retrucou: "Não é o meu trabalho ajudar vocês".

Desculpem o meu francês meninas mas vejam o que uma mulher sem o devido tratamento a base de rola não faz! Mais uma vez peço apologias pelo meu francês mas não tem outra explicação não... O PROBLEMA DELA ERA FALTA DE PICA!!!

Tenha medo de mulher mal amada.

Daqui a pouco ela volta depois de fazer o "paper work". Chega com duas folhas nos encaminhando às autoridades francesas dizendo o porquê que fomos rejeitados pela imigração britânica. Ela disse que a gente deveria ir na embaixada britânica e conseguir um visto. A gente perguntou se demorava, eu achava que ia demorar semanas, e ela: "Eu não trabalho na embaixada".

Eu tremia de raiva e ao mesmo tempo sabia que tinha que manter a mente tranquila pra tentar conduzir da melhor forma toda a situação. Sabia que tinha que pensar no que a gente ia fazer agora, onde a gente ia dormir, como ia falar com o pessoal na Inglaterra pra buscar ajuda, pensava na grana que a gente não tinha pra gastar, pensava que podia ficar na França e etr que voltar direto pro Brasil deixando tudo pra trás na Inglaterra, enfim, milhares de coisas passavam pela minha cabeça e eu ainda tinha que tentar manter a calma, segurar as pontas e achar soluções para os diversos problemas.

Enquanto eu falava com a mulher da imigração eu fiquei com a boca completamente seca! Completamente. A Léa disse que eu fiquei pálido em alguns momentos e depois acabei com todos os dedos de tanto roer unha.

Depois disso a gente passou pelo guichê francês. A moça da Eurostar tentou nos ajudar. A gente pegou o endereço da embaixada pra seguirmos pra lá no dia seguinte.

Isso já devia ser umas 22h. E a gente se viu no meio da estação de trem sem ter a mínima noção de por onde começar, com quem falar, a quem recorrer... O desespero mesmo começou agora.

A gente foi comprar um cartão internacional numa loja de revistas. Foram 7,50 euros. A primeira ligação foi pro Arjan. Ele mal acreditou naquilo. Disse que era pra gente ir pra algum hotel e que ia manter contato comigo. Disse que ia falar com o Walter pra discutir o que fazer e ia avisar o Evandro e a Elen pra ter algum apoio aqui em casa.

Depois disso a Léa ligou pra mãe dela. Só lembro que a Léa não conseguiu se controlar e acabou chorando enquanto conversava com a mãe. A gente queria deixar todo mundo tranquilo apesar de não estarmos nem um pouco tranquilos mas a gente tinha que tentar fazê-los pensar assim. Mas na primeira frase a Léa se desmancha em lárgimas. Eu tentei ajudar ela. Tentei fazer o que pude o que no fim das contas não era quase nada: um abraço forte, uma palavra de confiança que não dizia exatamente o que eu pensava naquele momento.

Depois eu liguei pra minha mãe. Lembro bem a conversa. Comecei falando com "sotaque" francês com minha mãe pra ela perceber que eu estava tranquilo. Disse a ela que estava na França e que ia ficar por aqui mais um tempo porque não deixaram a gente voltar pra Inglaterra. Logo depois disse que infelizmente não era brincadeira porque eu achei que era o que ela ia achar. Disse pra ela ficar tranquila e que ia continuar a mantendo informada.

Eu usei o Palm o tempo todo na viagem. Usava pra ver o mapa de Paris e pra encontrar as rotas de metrô e trem pela cidade. Por causa disso a bateria estava no fim. Enquanto procurava o telefone do pessoal o Palm acusou que a bateria estava acabando. Eu comecei a ficar mais desesperado.

A gente não tinha papel pra anotar nada. Saí pela estação atrás de algum folheto onde a gente pudesse escrever. Lembro que fazia muuuito frio na estação. Ela era toda aberta e eu estava só de camiseta e com a mochila nas costas o tempo todo.

Ligamos pra Evandro e pedi pra ele e a Elen procurarem algum albergue perto da embaixada britânica e que iriamos ligar depois. Alguns minutos depois eu liguei pra lá e conversei com a Elen. Ela me passou o nome de 3 albuergues mas nenhum número de telefone porque o hostelsworld.com não mostra o telefone justamente pra poder intermediar a reserva. Tentei pedir a ela que procurasse no Google pelo site dos albuergues pra ver se achava o número do telefone.

Alguns minutos de espera... A estação estava vazia. Muito mendigo, gente tranbiqueira e bêbado ficavam vagando. E a gente lá no frio esperando. Liguei pra Elen e a notícia: Não consegui achar nenhum telefone.

Tinhamos somente nomes e endereços e nenhuma noção de como chegar até eles. Lá estavamos nós sem saber 1 palavra de francês, com fome, frio, medo, extremamente cansados e tentando manter a calma pra conseguir um lugar pra dormir. No momento a gente sabia que não tinha dinheiro suficiente pra pagar o hotel mas esse era o menor de nossos problemas.

Pegamos com a Elen o nome de 3 hostels. Eu usava o palm pra tentar encontrar o nome da rua e tentar encontrar uma estação de metrô próxima. O palm acusou mais uma vez que a memória estava baixa. Se o palm desligasse naquele momento a gente provavelmente dormiria por ali mesmo. A única rua que a gente achou foi a La Fayete. Deveríamos procurar pelo número 245.

Fomos para o metrô. Eu tinha que olhar no palm como chegar na estação correta. Liguei o palm e fui procurar. Enquanto olhava o palm deu uma mensagem de que a bateria estava extremamente no fim. Eu estava desesperado porque sabia que não ia cosneguir chegar lá sem o palm. Não tinha uma alma viva andando aquela hora no metrô. A gente conseguiu anotar no folheto as estações e as direções que a gente tinha que tomar pra chegar na La Fayete.

Quando cheguei na estação ví que anotei errado. Tinha anotado o fim de linha e não a estação correta pra descer. Lembro que a gente estava com fome e com frio. A gente ligou o palm mais uma vez e eu só imaginava ele desligando e não ligando mais. Mas a gente conseguiu ver quais as estações que precisavamos passar pra chegar no destino.

O clima era horrível. Eu tentava acalmar a Léa mas era tudo da boca pra fora no fim das contas. Eu tava meio apavorado ainda com aquilo tudo.

Quando chegamos na estação não sabíamos pra onde ir. Um francês que vinha passando, o único inclusive, ofereceu ajuda. Perguntou pra onde a gente queria ir, nos mostrou mapas na estação. Foi super gentil. Quando a gente olhou no mapa os números das casas na rua a gente viu que estava longe. Os números eram na casa dos trinta e o albergue era 245.

Fiquei desesperado mais uma vez. Aí a Léa falou uma coisa que me acalmou: A gente pega um taxi então! Foi a frase certa no momento certo. Eu já não estava pensando direito naquele estágio e depois daquela frase eu voltei a mim e vi que essa era uma opção. A gente foi caminhando pra rua mas eu pensei: A gente pode ir até a estação Cadet que é no fim da rua e a gente pega o taxi de lá.

Voltamos pras catracas mas o nosso passe já não funcionava mais. Só tínhamos nós dois ali na estação. Mais ninguem. Eu já estava certo que a gente ia pular as catracas quando chegou uma moça na cabine de venda de tickets. A gente explicou que o passe da gente não funcionou e ela disse que não tinha problema: abriu uma porta e a gente seguiu.

Descemos na estação Cadet no fim da rua La Fayete. Quando fui olhar os números ví que ainda eram na casa dos 90. Ví que o albuergue não era opção. Ou eu tinha anotado errado ou a Elen tinha olhado errado ou estava errado na internet ou não existia.

Nesse momento eram umas 0h e lá estávamos eu e a Léa caminhando pelas ruas desertas de Paris sem rumo. Literalmente sem ter pra onde ir. O frio era grande, eu estava de camiseta e com mochila nas costas. Os pés doiam muito. A gente passou 2 dias caminhando sem parar. O peito do pé doia.

A gente tentou parar alguns taxis mas sem sucesso. Daí a Léa salvou o dia novamente: Tem um hotel alí, vamo olhar se tem quarto? E lá fomos nós. Mas eram todos hotéis 3 estrelas com diária na casa dos 120 euros (uns 400 reais). Mas a gente não estava pensando muito nisso não. Mas no fim das contas nenhum hotel tinha vaga. Era difícil conversar com o pessoal porque eles praticamente não falavam inglês. A gente passou por uns 6 ou 7 hotéis sem encontrar vagas. Quando a gente estava virando uma esquina vimos um hotel 1 estrela. Entramos nele. O atendente não falava absolutamente nada de inglês. A gente perguntou se ele falava inglês e ele disse, em francês, só um pouquinho.

Perguntamos se tinha quarto e ele disse que sim. Que alívio! O quarto custava 42 euros. Pagamos com cartão e eu comecei uma odisséia pra tentar explicar o homem que queria fazer ligações com o cartão que tínhamos comprado. Esse já era um outro cartão. O primeiro tinha acabado na estação mesmo. Eu falava pro cara que era 0800 e ele entendeu 2h depois.

Subimos pro quarto e comecei a fazer as ligações. Liguei pro Arjan e vi que ele já tinha mobilizado todo mundo. Ficamos de procurar um internet café no outro dia pra poder imprimir cartas e documentos. A Léa ligou pra casa pra pedir a mesma coisa. Ela chorou novamente e eu tentei dar algum apoio pra ela. Liguei pra minha casa pra tranquilizar o povo apesar d'eu não estar nem um pouco tranquilo.

Quando acabamos as ligações só nos restava dormir. Comemos uns chocolates que tinhamos na mochila pra matar a fome. O cansaço era enorme mas a cabeça estava a mil. Eu pensava milhares de coisas, de tudo que a gente tinha que fazer, do que fazer se tudo desse errado.

A Léa tentou me acalmar mas nada no mundo naquele momento me faria parar e pensar noutra coisa. Pedi pra ela ir tomando banho enquanto eu rabiscava num papel as coisas que o Arjan tinha me falado pra eu não esquecer. Escrevi também o que a Léa tinha que falar pra gente poder ensaiar depois.

Lembro que eu sentia muita dor de cabeça e a Léa também. Ela sentia uma dor na mandíbula por causa da tensão. A gente estava muito sujo. O dia todo andando pela cidade, sentando no chão e tudo o mais. A gente queria tomar banho mas não tinha roupa limpa pra usar.

Eu ficava andando pelo quarto pensando e roendo os dedos. Uns 3 dedos já estavam sangrando, o que acontece quando eu rôo demais. A Léa acabou o banho e eu fiquei um tempo mais pensando antes do banho. Fui tomar banho e continuava matutando tudo que a gente devia fazer.

Saí do banho e vesti a cueca de ontem que estava menos pior que a de hoje com certeza. Isso pode parecer até engraçado mas eu me senti em alguns momentos como um indigente ou sei lá o quê. Meio jogado no mundo sem nem ao menos uma cueca limpa pra vestir. A sensação não foi nada divertida, eu posso garantir.

Deveria ser 1h da manhã mais ou menos. Fomos tentar dormir mas a cabeça estava a mil, literalmente e eu não consegui pregar os olhos durantes horas apesar do cansaço absurdo que eu sentia. Lembro que acordei várias vezes durante a noite.

Acordamos 9:30h e fomos tomar café. O café custava 8 euros e a gente nem teve vontade de procurar um lugar mais barato e comeu ali mesmo apesar do preço salgado. O café consistia em um pão francês, lógico, um croissant, um copo de suco e um chocolate quente. O croissant, como todas as outras delícias que se compra em padaria aqui na frança, estava muito gostoso. O pão francês que era muito duro! Pois é amigos. Eu tive que ir pra Paris pra por um cacetinho duro na boca, lá ele!

Perguntamos ao recepcionista onde encontrar um internet café pra gente poder imprimir todos os documentos necessários. Ele conseguiu lembrar de um há umas poucas quadras dalí.

Chegamos lá e fomos logo pra uma máquina. O dono da loja falava bem pouco de inglês mas a gente se entendeu. Tentei olhar todos os emails que estavam em minha caixa postal. O Evandro e a Elen nos ajudaram muito nesse quesito. Eles procuraram e digitalizaram vários documentos pra gente. O Evandro foi inclusive na casa da Léa pra pegar os documentos dela. Se não fossem pelos meninos com certeza a gente ainda estaria por lá até agora.

Mas alguns documentos da Léa ainda estavam pendentes, inclusive o mais importante que era a remarcação da passagem dela. Como no Brasil era 5 horas a menos a gente tinha que esperar um pouco mais. Já devia ser 13h mais ou menos. A gente ficou por lá umas 2h e pouco e saímos em direção a embaixada.

Tentei contactar um amigo de Walter que vive aqui há 19 anos: o Antônio José Soares. Ele trabalha na Unesco e pode ter contatos importantes. Apesar de que nesse quesito não existe jeitinho brasileiro que resolva. Tive que procurar um lugar que vendesse cartão telefônico pra ligações locais e tive que descobrir como fazer essas ligações.

Liguei pro Antônio mas só consegui deixar mensagens nas várias secretárias eletrônicas.

Conseguimos a duras penas encontrar a embaixada britânica. Conversamos com uns guardinhas no portão da embaixada e eles entregaram duas requisições pra gente e disseram que isso só seria possível ser feito amanhã às 3 ou 4 da manhã devido a quantidade absurda de gente querendo visto pra ir pra Inglaterra. Ele falou pra mim que era pra ter cuidado pois geralmente quem está na frente da fila toma porrada da galera pra pegar o lugar na fila. Ele me aconselhou a ir sozinho praquela ruazinha estreita no meio do nada e deixar a Léa no hotel pra ela se juntar a mim às 8h da manhã pouco antes deles abrirem os portões e começarem o atendimento.

Eu já estava preparando o meu espírito pra passar mais uma noite em Paris e pra ficar naquela fila às 3h da manhã. Eu só me lembrei da fila na frente do Hospital Santo Antônio em Salvador com aquele povo todo às 5h da manhã na fila pra tentar uma consulta pra daqui a um mês. Me senti um lixo novamente mas já estava mais conformado.

Quando de repente o cidadão pergunta de onde a gente é. A gente fala que é do Brasil e ele diz que brasileiro não precisa de visto pra entrar no Reino Unido. Ele levou os nossos papeis lá pra dentro e conversou com o Consul. Ele veio depois pessoalmente pra dizer pra gente que não tinha absolutamente NADA que ele pudesse fazer pela gente. Foi sempre muito educado e atencioso e falou pra gente que já tinha falado mil vezes pra o staff da imigração que não era pra mandar pessoas como a gente lá pra embaixada que eles não podiam fazer nada. Cabia a gente juntar todos os documentos necessários e convencer o pessoal da imigração que não estava ilegal na Inglaterra.

Saímos de lá meio perdidos e tentamos ligar pro Antônio mais uma vez de uma loja dos correios. Cosnegui falar com a cunhada dele que estava na casa dele e pedi pra ela tentar entrar em contato com o Antônio e avisar que a gente estava num correio qualquer e eu passei os números de duas cabines pra ela.

Depois de alguns minutos o Antônio liga pra gente. Ele foi super gentil e ofereceu a casa dele, comida e computadores e internet pro que a gente precisar.

Eu fique mais aliviado porque sabia que tinha onde ficar caso fosse necessário. Ele passou o endereço da casa dele e eu anotei num papel.

Eu ainda tinha esperança de voltar pra casa naquele mesmo dia e por isso ao invés de seguir pra casa do Antônio que era bem distante resolvi ir pra outro internet café pra conseguir imprimir os documentos da Léa.

Pelo que os franceses falaram o melhor lugar pra achar um cyber café pro essas bandas era na Champs Elyseé e lá fomos nós. Nós estávamos perto de um dos extremos da avenida e começamos a procurar. Já devia ser 16h e a gente estava com muita fome. Fomos comer um cachorre quente numa barraca na Champs Elyseé. O cachorro quente era numa baguete de pão francês com salsicha e queijo por cima apenas. Bem diferente do nosso brasileiro.

A gente sentou na grama do parque e foi comer o cachorro quente. A Léa uma hora disse pra mim que eu "não estava alí". E eu não estava mesmo. A minha cabeça pensava mil coisas, mil possibilidades, eu traçava diversos planos caso as coisas não acontececem como a gente queria.

Levantamos e seguimos pela avenida. Mais a frente existia uma banca de informações e eles nos indicaram onde encontrar o cyber café. Andamos por uns 30 minutos mais até encontrar o internet café. Pelo menos tivemos a oportunidade de andar por toda a avenida. É um lugar chiquérrimo e cheio de glamour com todos aqueles cafés chiquérrimos nos passeios e aquele povo chiquérrimo andando de um lado pro outro e vários lojas chiquérrimas também de todas as marcas famosas do mundo.

Entrei rapidinho na loja da Renault pra dar uma olhada nos carros mas eu não estava no clima não. Dei uma passada só pra ver a Williams da F1 e fui embora. Seguimos até que encontramos o cyber café. Ele era chiquérrimo! Parecia hotel 5 estrelas. Muito chique mesmo, vocês não estão entendendo...

Custava 4 euros a hora mas essa era a última das minhas preocupações. Fui olhar os emails e ví que estavam quase todos os documentos da Léa que o Evandro foi buscar. Só faltava a confirmação da mudança da data que dependia da empresa de turismo. Eu ficava no computador adiantando o lado e organizando os documentos e a Léa tentava buscar alguma posição da mãe dela. Foi nessa hora que mandei um email pro pessoal dizendo o que estava acontecendo e conversei com o pessoal de casa pelo MSN.

Foi muito bom conversar com o pessoal. A Mila me disse uma coisa que me deixou tranquilo. Disse que estava tudo já certo e só a gente que não sabia. Eu brincava o tempo todo com ela pra ela perceber que eu estava calmo e tranquilo, o que no fim das contas não era verdade. Quando minha mãe pediu pra eu invocar o Espírito Santo eu perguntei se era pra ficar pertubando ele pra deixar ele invocado... Mas eu sabia exatamente o que ela estava falando.

Quando chegou o último documento da Léa tocaram 3 músicas que ela adora e vive cantando aqui. Nessa hora eu tive a certeza que tudo ia dar certo.

Imprimimos os documentos e saimos do cyber café. Como já eram 20h não ia dar tempo de pegar o último trem pra Inglaterra. Íamos pra casa do Antônio mas ninguem atendeu por lá. Achei que eles poderiam ter ido pra algum lugar ou algo assim.

Como a gente estava na Champs Elyseé e estava anoitecendo resolvemos passear um pouco. O clima já estava um pouco melhor. O medo e a incerteza ainda estava nos incomodando mas a gente estava um pouco mais tranquilo porque estavamos com todos os documentos necessários. A gente teve até presença de espírito pra tirar uma foto com o tema: Faz cara assustada como a de quem está num mato sem cachorro em Paris e não sabe como voltar pra casa.

Fomos até o Arco do Triunfo e dessa vez era possível subir nele. Tentamos esquecer de tudo o que estava acontecendo naquele momento e tentamos curtir um pouco de Paris como a vagabunda da imigração sugeriu.

Pra chegar ao Arco do Triunfo a gente vai por debaixo da terra por um túnel. O Arco fica no encontro de 12 grandes avenidas de Paris e fica praticamente impossível atravessar por cima.

A luz estava ótima porque o por do sol estava perto de acontecer. A visão do Arco dalí era muito bonita. Ele é muito grande. Mais do que a gente pensa. Tem 108 metros de altura e num sei quantos de largura.

Pra subir o Arco é outro problema: tem que subir de escada! São 552 mil degraus até lá em cima. Pra quem está com uma mochila nas costas há 3 dias seguidos e passou o dia todo nervoso, com dor de cabeça e andando de um lado pro outro aquilo foi uma tortura!

O que compensa é a visão da cidade alí de cima. Uma coisa bacana de Paris é isso. Existem algumas opções pra ver a cidade de cima. Existe o Arco do Triunfo, a Torre Eifel e a Basílica do Sacre Creur. Coisa que Londres não tem. Só tem a London Eye que você não pode parar lá em cima pra ficar de bobeira apreciando a cidade.

Champs Elyseé com o Louvre ao fundo:

Tentei fazer algumas fotos panorâmicas de cima do Arco (que não é um jegue lá da roça) pra tentar mostrar ou lembrar a vocês de como é a visão lá de cima.

Depois disso descemos mais 552 mil degraus e fomos tentar comer algo. Vimos uma luminoso do McDonalds e não tivemos dúvida: era alí mesmo! Entramos no McDonalds mais chique que eu já vi. Ele ficava na Champs Elyseé. Todos os atendentes falavam inglês pelo menos. Pedi um BigMac. Já fazia uns meses desde o meu último BigMac.

A gente sentou numa mesa e literamente esqueceu de tudo. A gente brincou, se divertiu e o BigMac tinha exatamente o mesmo sabor do BigMac do Brasil, inclusive a batatinha. Eu me senti em casa. Parecia que estava no Mc do Rio Vermelho ou algo assim.

Já comidos, lá ele, fomos tentar ligar pro Antônio. Já eram 23:30h! A gente perdeu a hora entre Arco do Triunfo e McDonalds. Mas a gente seguiu pra casa dele. A avenida estava toda escura nesse momento e eu pude tirar uma foto a noite da Cidade da Luz.

Pra chegar na casa do Antônio foi uma aventura. Na verdade ele mora em uma outra cidade na vizinhança de Paris. Essa história de Megalópole, entende? Ele mora na "Grande Paris". A gente tinha que pegar o RER que algo como um super metrô que roda na cidade como metrô mas segue pro subúrbio também. Ele tem dois andares e bem estranho.

A gente demorou uma vida até encontrar a estação de metrô mais próxima. A sinalização das estações é muito precária. Londres dá um banho nos franceses nesse quesito. Depois de muito procurar a gente achou. Já deviam ser 0h e eu estava procupado porque essa linha que a gente tinha que pegar era meio estranha porque tinha três seguimentos e a gente tinha que escolher o seguimento e o sentido correto.

Não tinha ninguem pra perguntar nada. A estação estava deserta. A gente teve que comprar o bilhete num quiosque self-service. A gente tinha que pagar 2,80 euros. A gente tinha algumas moedas e uma nota de 20 euros. Vimos que a máquina não aceitava cédula e não tinha máquina de troca por perto. A gente começou a contar as moedas e tínhamos exatamente 2,80 euros!

Pegamos o metrô até a estação do RER. Lá tivemos que pagar mais 6 euros até o destino. Pegamos o trem certo mas sempre naquela dúvida de estar fazendo uma cagada.

A gente estava muito fedido de andar o dia todo e exaustos. A viagem demorou mais de meia hora mas a gente não conseguia relaxar porque tinha que ficar olhando todas as estações porque não sabia quão longe era aquela estação que a gente tinha que ir.

Finalemente chegamos na estação. Devia ser umas 0:30h. Mais uma vez não tinha ninguem pra dar informação. A gente saiu da estação, que ficava num bairro super baixo astral do subúrbio de Paris, sem saber pra onde ir. A gente sabia que tinha que seguir por uma rua de postes azuis. Na frente da estação não tinha nada a não ser um monte de rua escura e deserta. Bem filme americano.

Eu resolvi arriscar e puxei a Léa comigo pra seguir pelo lado esquerdo e passar por debaixo de um viaduto. Estava super apreensivo de ter alguem pro ali. Era tudo escuro e sujo. A gente finalmente viu os tais postes de luzes azuis. Fomos seguindo pela rua até achar um estádio do lado esquerdo e um estacionamento do lado direito. Andamos bastante por ruas TOTALMENTE desertas e nada de aparecer o tal estádio ou estacionamento.

Fazia bastante frio e a gente estava muito cansado. Até que vimos um estacionamento e achamos que tínhamos chegado no lugar correto. O Antônio mandou a gente atravessar o estacionamento e disse que a casa dele era a 2ª a direita, nº 136. Depois de atravessar aquele estacionamento completamente deserto e escuro chegamos em mais uma rua deserta e escura mas a segunda casa a direita era de nº 32 ou algo assim. Estávamos perdidos no subúrbio de Paris de madrugada e sem poder se comunicar. Nesse momento um cachorro uivou longamente... Bem filme de hitcock mesmo... Eu tentava a todo custo manter a calma e tentar encontrar uma solução.

Eu só queria gritar e acordar daquele pesadelo todo. Era demais pra minha cabeça mas eu continuei e a gente resolveu voltar à saída da estação. No meio do caminho a gente encontrou um motorista de uma van e resolveu perguntar onde ficava a tal rua. Ele mal falava inglês mas disse que não conhecia a rua. Perguntei do estádio: "Do you know if there is any stadium around?" E ele: "Stadium?". Aí eu lembrei do "Stade France" e mandei um francês pra cima dele: "Stade" e num é que o miserável entendeu? E apontou a rua correta que a gente deveria seguir.

Andamos bastante até que num certo momento a rua se dividia em 4 outras. E agora? Qual seguir? Nesse momento o mesmo cara surge na esquina e aponta pra rua mais a esquerda. Alguém colocou esse cidadão por lá naquela hora... Não é possível!

A gente ainda andou bastante até que eu ví uns refletores de estádio. Fiquei aliviado. A direita vimos o tal estacionamento e atravessamos ele. A 2ª casa a direita era mesmo a de nº 136 e eu fiquei feliz.

Encontramos com o Antônio que deu um "Oi" e um "Boa noite" em seguida e nos deixou com a cunhada e a filha, Beatriz e Júlia respectivamente. Elas foram super gentis e conversaram com a gente sobre as viagens que fizeram. Eu bebi uns 3 copos d'água. Eu estava muito imundo mesmo! E olha que pra eu dizer isso o estado era grave.

Tomamos banho e eu pus a cueca do dia anterior. Estava alternando as duas únicas que tinha trazido. A roupa do outro dia ia ser do dia anterior e assim por diante com meias e tal...

A gente dormiu um pouco mais tranquilo dessa vez. Enquanto revisava os papeis vi qeu a gente tinha esquecido o último e o mais importante documento da Léa no cyber café mas eu estavam ias tranquilo que podia imprimir na casa do Antônio.

Acordamos umas 9h com o Antônio batendo a porta e fomos de carona pra estação de trem.

Era a hora da verdade. No fim das contas essa era a nossa última cartada! Se a moça da imigração simplesmente dissesse pra gente que a gente não podia entrar na Inglaterra era pegar o avião e voltar pro Brasil. Não tinha choro nem vela. Imaginem o estado que eu estava! TODAS as minhas coisas estavam lá em Southampton e eu não poderia ir pegar nada! Eu era um pilha de nervos.

Quando a gente chegou na estação trocamos os bilhetes para o do próximo trem e fomos sentar em algum canto pra ensaiar o que falar. Conversamos alguns minutos ensaiando em inglês o que dizer, e se perguntarem isso e tudo o mais. Rezamos juntos e fomos pra hora da verdade. Em poucos minutos eu saberia se o pesadelo acabaria ou se iria continuar.

Subimos as escadas e toda aquela história de dois dias atrás veio a tona. Aqueles mesmos guichês, aquele mesmo esquema. O nervoso era grande.

Eu invoquei o Espírito Santo e pedi pra ele colocar uma atendente de bem com a vida que tenha sido comida com gosto na noite anterior e tivesse com um sorriso de orelha a orelha no rosto e foi o que aconteceu.

A moça era super brincalhona, prestativa, calma, educada. Foi Deus quem pôs ela pra atender a gente. A conversa ia bem até que ela viu no nosso passaporte uma entrada negada de dois dias antes. A gente explicou que não tinha trazido qualquer tipo de documento da outra vez e passou o dia de ontem tentando imprimir tudo que era necessário. Ela pegou todos os nossos papeis, foi pra uma sala longe e falou de forma brincalhona pra gente sentar no "silver bench". As vezes ela voltava e perguntava mais coisas e a gente respondia, coisa que a outra simplesmente assumia e não nos dava a chance de explicar.

Enquanto isso outros dois bolivianos ficaram detidos e sentados no mesmo banco prateado que nós. No fim das contas eu acho que eles se atrapalharam muito pra responder a todas as perguntas e no fim das contas aparência é tudo nesse momento. Depios de uns minutos a moça deu o veredito: Vocês não vão poder ir a Inglaterra hoje. Eu gelei. Pensei em mim e na Léa. Pensei que tudo poderia dar errado ainda...

Eu tentava ficar calmo quando a moça da imigração vinha perguntar alguma coisa. Tentei ficar natural e responder as coisas como se fosse pra algum amigo. Teve uma hora que ela perguntou se eu já conhecia a Léa do Brasil e eu disse que "não, infelizmente não" olhando pra Léa e fazendo um carinho. A moça deu uma risadinha e voltou pra sala dela. E a gente esperando.

Já tinham se passados aproximadamente 45 minutos de perguntas e respostas. A gente estava nervoso porque só faltavam 5 minutos pro trem ir embora. Daí vem a mulher dizendo que ia dar a permissão pra gente ir pra Inglaterra. FOI UM ALÍVIO TÃO GRANDE!!! Vocês não fazem idéia não. Só quem passou por uma experiência dessas pra ter noção do que a gente está falando.

Fomos correndo pra não perder o trem. Achamos os nossos lugares e relaxamos finalmente. Dei um beijo gostoso na Léa de alívio e de obrigado por estar no meu lado dizendo coisas que eu precisava ouvir pra conseguir passar por aquilo naquele momento. Agradecemos a Deus por ter colocado aquela mulher simpática pra atender a gente e tranquilar a gente pra dar as respostas corretas.

Até fome deu. A gente sentiu o corpo reclamando e pedindo por comida e descanso. Eu tinha passado 4 dias com uma mochila pesada nas costas e estava, no melhor estilo francês, parecendo o corcunda de Notre Dame!

Chegamos em Londres e seguimos direto pra Southampton. Mal acreditei quando cheguei em casa. Contei a história milhões de vezes a todo mundo e agradeci a todos que nos ajudaram tanto pra conseguir todos os documentos necessários aqui na Inglaterra pra nós. Agradeci a Evandro e Elen pelo suporte, ao Arjan que passou a madrugada acordado pra conseguir tudo, ao Walter que contatou o Antônio e ajudou o Arjan, ao Antônio que nos deu casa, comida e infra-estrutura, ao pessoal da EPL que avisou em casa que estava tudo bem, enfim, a todos que de alguma forma torceram e rezaram por nós nesse momento tão difícil e estressante.

E foi assim que chegou ao fim as horas mais estressantes de minha vida sem dúvida nenhuma. Se eu não conseguisse voltar pra Inglaterra como ia fazer no Brasil com todas as minhas coisas aqui? Como ia fazer com o PhD? Ia ser muita confusão na minha vida. Graças a Deus tudo acabou bem.

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